quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Só (mesmo!)





O Bebê nasceu, recém-chegado ao mundo lutou, e lutou sozinho. Médicos e enfermeiros ao lado de nada valiam, a luta era só dele. Por mais que se esforçassem, cabia a ele, e unicamente a ele, se livrar da secreção que o sufocava e evitar o abraço Daquela que se postava ali, ao lado da mesa de operações, já pronta a levá-lo de volta no mesmo instante em que ele deixava a segurança e o calor do útero.

Venceu sozinho a primeira de muitas lutas. E tornou-se criança em várias fases, sem nenhum Anjo da Guarda para protegê-lo de si mesmo e dos outros. Venceu sozinho inúmeras batalhas. Perdeu algumas, mas nenhuma fatal, e continuou.

Adolescente, enfrentou guerras internas e externas, rebelou-se e foi devidamente repreendido, cerceado, limitado e restrito. Mas não foi completamente derrotado, e a cada embate tornou-se mais duro e consciente do fato de estar sozinho.

Homem, viu que era um ser solitário na vastidão do mundo. Havia muitos inimigos que podiam fazer mal, e uns pouquíssimos amigos de verdade que podiam ajudar no básico, mas que não poderiam salvá-lo. Ninguém podia nem  poderia. Descobriu a Divindade, mas aprendeu que milagres não existem e que de nada adianta pedir aos Céus por qualquer acontecimento que melhorasse as coisas. Milagres não existem. Apenas o Ser Sozinho.

Mas o Homem conseguiu sobreviver. Machucado no corpo, na alma e no espírito, mas ainda assim vivo, embora tenha tentado deixar essa condição. Foi-lhe negado aquele abraço que ele evitara no dia em que nascera. Ironia.

Conheceu coisas terríveis ao longo da existência. Sentimentos bons que não tinham força, sentimentos maus que arrasavam continentes, e sentimentos que não encontravam retorno nas idas sem volta das caminhadas a dois que deixavam apenas um par de pegadas na areia (e não eram da Divindade: lembrando sempre que não há Milagre).



E quando enfim chegou a hora do Abraço, O Velho sentiu-se aliviado. Quantas vezes chamara Aquela que agora lhe sorria, estendendo-lhe a Mão que traria o Descanso dos sofrimentos do Vale de Lágrimas! E olhando para trás viu que em todos os momentos de sua existência que diferença nenhuma fez esteve absolutamente sozinho, mesmo cercado de amigos, "amigos", "amores", amantes, filhos, pais, (des)conhecidos.

E não pôde deixar de sorrir ao olhar para os lados e perceber que estava desacompanhado naquele quarto de paredes brancas. A solidão era completa, e seria mesmo se o aposento estivesse apinhado de pessoas. Viver é estar só. Talvez do Outro Lado exista algum tipo de Companhia. Mas ele não ligava. Não faria nenhuma diferença. Estava Livre. Livre dos grilhões da Vida.

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