terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Na contramão de Bauman



O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu livro “Amor líquido”, analisa as relações amorosas e algumas particularidades da “modernidade líquida”. Segundo ele, vive-se em tempos líquidos, nada é feito para durar. Relacionamentos escorrem das mãos por entre os dedos feito água.


Todos querem relacionar-se, mas não conseguem, seja por medo ou insegurança. Relações terminam tão rápido quanto começam, as pessoas pensam terminar com um problema cortando seus vínculos, mas o que fazem mesmo é criar problemas em cima de problemas.


É um mundo de incertezas, cada um por si. Relações humanas cada vez mais flexíveis. Com o costume de se "desconectar" no mundo virtual, não se mantém um relacionamento de longo prazo. Caso haja defeito, descarta-se.


O romantismo parece estar fora de moda. O amor verdadeiro vai sendo banalizado, confundido com outras coisas. Sexo descompromissado é chamado “fazer amor”. A palavra amor é usada sem que se saiba seu real significado.

Bauman diz que as pessoas precisam sentir que são amadas, ouvidas e amparadas. Precisam saber que fazem falta. E ser digno de amor é algo que só o outro pode nos classificar. O que fazemos é aceitar essa classificação. Mas, com tantas relações sem forma - líquidas -, como ter amor próprio? Em "amores" instáveis, não se tem certeza do que esperar. Caminha-se na neblina, sem nada ver adiante.

Mas acontece que é sempre assim, e não somente nos relacionamentos, mas em tudo na vida. Não há um Manual de Instruções e não se tem bola de cristal, nem mesmo quem é meio "bruxa". Mas cabe e sempre caberá a ambas as partes de um relacionamento tentar fazer com que tudo dê certo. Envolvimento, compromisso, duas pessoas com o plano de ficar juntos o mais possível - a meta é o "para sempre", que não é utópico nem irreal, embora a maioria não queira nem se esforce nesse sentido.

Felizmente, há pessoas que vão na contramão de Bauman. Pessoas que acreditam no relacionamento "até que a morte os separe" e que farão tudo para que somente ela o faça. E se não for para estar 100% com a outra pessoa, na verdade não vale a pena. Imagine-se alguém que abre uma empresa já levando em consideração majoritariamente a possibilidade da falência! É preciso acreditar no amor! Se ele está démodé, então que se fique fora de moda - e feliz!

Por falar em felicidade, Bauman diz que para tê-la há dois valores essenciais e absolutamente indispensáveis: a segurança e a liberdade. Não se pode ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos. Os dois devem andar juntos. E é interessante como eles dividem o espaço mútuo: quanto mais segurança, entrega-se um pouco mais da liberdade. E vice-versa. Não deixa de ser um perde-ganha, mas se a relação custo-benefício é positiva, vale a pena.

Há uma expressão interessante que é "escravo por vontade". É como estar acorrentado a alguém, mas com as chaves ali, ao alcance da mão. Pode-se abrir os grilhões a qualquer momento, mas não se deseja fazê-lo. Não se está "preso" no sentido negativo da palavra, mas a pergunta é: o que se vai fazer dessa tal liberdade, se quando o outro está distante praticamente todos os pensamentos são sobre ele?

Então, quando se ama alguém, a fidelidade vem a reboque porque, embora nada impeça a fruição de outros corpos, isso não vai acontecer porque seria doloroso para a outra pessoa, e a última coisa que se quer no universo é o sofrimento dela. O outro não é nosso dono porque ele quer, mas pertencemos ao outro porque queremos. Pode-se estar em qualquer lugar no mundo, mas a vontade é de estar naquele abraço. Todas as outras pessoas têm um defeito: não são a pessoa com quem se está. A pessoa que se ama.

E há desejo de estar junto, e de conversar quando distantes por meio da tecnologia. E de contar como foi o dia quando ele termina, e de se aninhar no peito para descansar e se sentir protegida. E de compartilhar sonhos. Festejar vitórias. Consolar nas derrotas. Mesmo que não "precise" do outro para praticamente nada, pois daria conta do recado, quer esse  alguém por perto para praticamente tudo. Mesmo sendo cada um completo em si (pois que são humanos plenos), um complementa o outro, e isso é bom. Isso é ótimo. Isso não se descreve com palavras. Isso é amor. 

Felizmente, há pessoas que acreditam no amor verdadeiro, sólido. Que o mundo seja e esteja líquido, ou mesmo gasoso: a solidez de um amor desses permanecerá. E entre as suas características principais estará a reciprocidade. E no fim das contas, quando "a Indesejada das gentes" cantada por Manuel Bandeira vier, encontrará os dois numa só carne, num só espírito e num só coração. E aquele que ficar saberá, sem sombra de dúvida, que valeu a pena!

Felizmente, há indivíduos assim. Este que escreve estas linhas é um deles.

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